sábado, 29 de setembro de 2007

Definições, incidência e causas da violência em Portugal

João Amado & Isabel Freire

Em Portugal existem duas abordagens diferentes na investigação sobre a violência na escola. Na primeira, enquadram-se os estudos sobre a indisciplina, tomando como objecto as diferentes situações e comportamentos (sejam violentos ou não) que não estão em conformidade com as regras de carácter escolar e social vigentes em cada escola (Estrela, 1986; Amado, 1989; 2001; Freire, 1995; 2001; Veiga, 1995;1999). Na segunda abordagem, foca-se a violência como um fenómeno específico, realçando o seu carácter social e psicológico (Costa & Vale, 1998; Pereira et al., 1996; Almeida, A. 1999).

O comportamento violento distingue-se doutros tipos de comportamento pelo impacto negativo, tanto físico como emocional, que tem sobre aqueles a quem se dirige; ou seja, a violência implica a intenção deliberada de causar dano a outrem e, neste sentido, representa um problema disciplinar específico das escolas.
A violência na escola traduz-se numa grande diversidade de comportamentos anti-sociais (qualquer forma de opressão ou de exclusão social, agressões, vandalismo, roubo) que podem ser desencadeados quer por alunos quer por outros elementos da comunidade escolar. Estes problemas são, normalmente, associados quer a baixos níveis de tolerância quer a dificuldades no desenvolvimento moral e na auto-estima das vítimas e dos agressores. O fenómeno da violência está, também, intimamente associado aos princípios fundamentais da democracia e à defesa dos direitos humanos.
O problema do "maltrato entre iguais" (bullying) pode ser visto como um aspecto particular da violência na escola que, segundo a definição proposta por Olweus (2000), ocorre quando "quando um aluno ou uma aluna são expostos, repetidamente e durante um período de tempo, a acções negativas por parte de um ou mais alunos". A designação "maltrato entre iguais" deve ser usada quando existe uma relação assimétrica de poder entre alunos. Este tipo de agressões pode ser levado a cabo quer por um aluno individualmente quer por um grupo.
Os estudos sobre o "maltrato entre iguais" revelam que este fenómeno atinge tanto os adolescentes como as crianças, constituindo, assim, uma grande preocupação para os educadores, dada a sua influência no desenvolvimento dos alunos.
Em Portugal, tal como em outros países, as raparigas são com maior frequência vítimas de agressões indirectas (como seja a exclusão social, rumores pejorativos, entre outras) enquanto que os rapazes são mais frequentemente vítimas de agressões físicas e de ameaças (Pereira et al., 1996).

Incidência do problema

Em Portugal, como em outros países, nos últimos anos, a violência na escola tem tido cada vez maior visibilidade social, em grande parte, devido à acção dos media. Todavia, pode dizer-se que nas escolas portuguesas as situações de violência são raras. Apesar disso, a violência constitui uma preocupação fundamental, dado o potencial impacto negativo quer na vítima quer nos agressores quer, ainda, no clima geral da escola.
Em 1999, o Ministério da Educação português recebeu 1300 comunicações de situações de agressões contra alunos, professores, e outros membros da comunidade escolar. Do total de actos agressivos, apenas 55 foram desencadeados por alunos ou pais contra professores, pelo que a maioria dos actos de agressão ocorre entre alunos.
Um estudo desenvolvido com uma amostra de 6200 alunos em escolas públicas das áreas urbanas, suburbanas e rurais no Norte de Portugal (Pereira. B., Almeida, A.T., Valente, L., & Mendonça, D., 1996), verificou que 21% dos alunos apontam já ter sido agredidos por colegas, e 18% afirma já terem tido um comportamento agressivo, registando-se três ou mais vezes no ano transacto. Os comportamentos violentos mais frequentes são insultos, seguidos de agressões físicas, rumores pejorativos e roubo. Esse estudo também verificou que a maior parte das situações ocorrem no recreio.
Estudos etnográficos e ecológicos desenvolvidos por Amado (1998) e por Freire (2001) nos últimos três anos nas escolas e em duas áreas distintas de Portugal (as cidades de Coimbra e de Lisboa), com alunos de idades compreendidas entre os 11 e os 15 anos, mostraram que a violência entre alunos e professores é praticamente ausente. No entanto, cerca de 10% dos alunos vêem-se envolvidos em situações de violência entre colegas com carácter sistemático (vítimas e agressores), sendo este um fenómeno essencialmente masculino. Os autores observaram que apenas um pequeno grupo de alunos se confronta com situações agressivas na escola. Na sala de aula estas situações ocorrem apenas em contextos específicos e com determinados professores (liderança permissiva, elevado absentismo do professor, cultura de escola caracterizada pela desresponsabilização geral). A mais típica forma de violência na escola é a agressão verbal, que se manifesta, a maior parte das vezes, de forma ocasional, ou seja, raras vezes tem um carácter de agressão sistemática da mesma pessoa.

Causas

No que se refere à forma específica de violência designada por "maltrato entre iguais" (ou bullying), as principais causas parecem ser psicológicas. Geralmente, tanto as vítimas como os agressores manifestam baixa auto-estima e têm um fraco poder de influência nas relações interpessoais com os pares. As vítimas, normalmente, não têm amigos, apresentam uma aparência física mais frágil do que a dos seus pares e são muito protegidos pelos pais (principalmente pelas mães). Normalmente, os pais dos agressores e das vítimas não estão ao corrente da situação e isto torna esta mesma situação mais problemática.
Convém também fazer referência a outros tipos de violência que afectam a escola, como seja os grupos organizados ou gangs; nestes casos, as causas parece estarem, normalmente, associadas a problemas económicos, sociais e étnicos, como, famílias disfuncionais e destruturadas, pobreza, racismo ou outros tipos de discriminação sistemática, e modelos sociais violentos propagados pelos media.
Alguns investigadores têm salientado o impacto da cultura e clima de escola e outros aspectos associados com a sua estrutura e dinâmica interna, que contribuem para a redução ou aumento da violência. Em Portugal tem-se verificado o desenvolvimento de programas de intervenção na escola que adoptaram esta perspectiva no combate à violência (intervenção nos recreios, desenvolvimento da relação escola-comunidade-família, por exemplo). A investigação mostra que a violência na escola (quer seja sistemática ou ocasional) é um fenómeno de carácter multifactorial, com diferentes expressões e múltiplas causas, em cuja prevenção a escola tem um poderoso impacto.

Literatura e links

Almeida, A. T., (1999), "Portugal". In Smith, P. K., Morita, Y.,Junger-Tas, J., Olweus, D., Catalano, R. and Slee, P. (Eds.). The Nature of School Bullying: a Cross-national Perspective. New York andLondon: Routledge.
Almeida, A. T. et al., School-based Promotion of Social Competenceand Anti-violence Policies. European Conference on Initiatives toCombat School Bullying: National Posters.http://www.gold.ac.uk./enconf/index.html
Amado, João S., (2001), Interacção pedagógica e indisciplina na aula, Porto, Edições ASA.
Amado, João S., (1989), A indisciplina numa Escola Secundária.Lisboa: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação daUniversidade de Lisboa. (Tese de mestrado, texto policopiado).
Costa, M. E. & Vale, D., (1998), A violência nas escolas. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional.
Costa, M. E. & Vale, D., (1998), A violência nas escolas. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional.
Estrela, M. T., (1986), Une étude sur l'indiscipline en classe. Lisboa: INIC.
Estrela, M. T., (1998), Relação pedagógica, disciplina e indiscplina na aula. Porto: Porto Editora, 2ª Edição.
Estrela, M. T. & Amado, J. S., (2000), Indisciplina, Violência eDelinquência na Escola. Revista Portuguesa de Pedagogia. Ano XXXIV, nº1-3.
Freire, Isabel P., (1995), "Perspectivas dos Alunos acerca dasRelações de Poder na Sala de Aula - Um estudo transversal". In Estrela,A., Barroso, J. & Ferreira, J. (Eds.). A Escola: Um Objecto deEstudo. Lisboa: AFIRSE Portuguesa, Faculdade de Psicologia e deCiências da Educação da Universidade de Lisboa, pp. 755-768.
Freire, Isabel P., (2001), Percursos disciplinares e contextosescolares. Dois estudos de caso. Lisboa: Faculdade de Psicologia e deCiências da Educação da Universidade de Lisboa. (Tese de doutoramento,texto policopiado).
Olweus, Dan, (2000), Bullying at School. Oxford: Blackwell Publishers, Ltd.
Pereira, B. et al., (1996), "O bullying nas escolas portuguesas:análise das variáveis fundamentais para a identificação do problema".In Almeida, Silvério e Araújo (Org.) Actas do II CongressoGalaico-Português de Psicopedagogia da Universidade do Minho. Braga:Universidade do Minho.
Pereira, B., Neto, C. & Smith, P., (1997), "Os espaços derecreio e a prevenção do bullying na escola". In Neto, C. (Ed.). Jogo edesenvolvimento da criança. Lisboa: Faculdade de Motricidade Humana,U.T.L., pp. 238-257.
Veiga, F. H., (1995), Transgressão e Autoconceito dos Jovens na Escola. Lisboa: Fim de século.
Veiga, F. H., (1999), Indisciplina e Violência na Escola: Práticas
Comunicacionais para Professores e Pais. Coimbra: Livraria Almedina.

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Last Updated: August 26, 2005

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